Anticoncepcionais Hormonais Orais


Nelson Soucasaux


( Dezembro 2002 )


Nelson Drawing 1978

Inicialmente eu gostaria de dizer que, com base nos meus 28 anos de prática ginecológica, o melhor de todos os métodos contraceptivos disponíveis continua a ser a velha "pílula" - ou seja, os anticoncepcionais hormonais orais. E, de acordo com o meu ponto de vista, esta observação acerca dos contraceptivos orais se fundamenta na sua relação benefício/risco altamente positiva e, obviamente, na alta eficácia do método. Estes produtos vêm sendo usados há cerca de 40 anos e constituem um dos grupos de medicamentos mais estudados e pesquisados até hoje. O fato é que, para a maioria das mulheres, a segurança e a tranqüilidade contraceptiva proporcionada pelos anticoncepcionais hormonais orais de longe suplanta os raros e ocasionais riscos e problemas que eventualmente podem ocorrer. Devemos também ter em mente que, ao longo das últimas décadas, as doses hormonais contidas nestes medicamentos têm sido consideravelmente reduzidas, assim como novos hormônios sintéticos, melhor tolerados e com menos efeitos colaterais, têm sido desenvolvidos e utilizados nos produtos mais recentes. Desta forma, a "pílula" tem sempre estado em constante evolução e aperfeiçoamento.

Vejamos, por exemplo, a redução nas doses estrogênicas dos contraceptivos orais que tem sido efetuada nas últimas três décadas. Até 1974, a dose usual de etinilestradiol contida em cada comprimido era de 0,05mg - considerada excessiva de acordo com os desejados padrões de segurança no que se refere a alguns importantes efeitos colaterais, ainda que felizmente raros. Entretanto, neste mesmo ano já foi possível reduzir-se com sucesso a ingestão diária de etinilestradiol para 0,03mg, preservando a mesma eficácia com excelente tolerabilidade e consideravelmente menos efeitos colaterais. Recentemente uma nova geração de contraceptivos orais foi desenvolvida, na qual a ingestão diária de etinilestradiol foi novamente reduzida com sucesso para 0,02mg ( as "pílulas" de baixa dose ). Reduções no componente progestogênico destes medicamentos também têm sido efetuadas. Desta forma, como já observei, podemos facilmente verificar que a "pílula" têm de fato evoluido e sido consideravelmente aperfeiçoada ao longo dos anos.

Poucos meses atrás outro produto foi lançado reduzindo mais uma vez a já mencionada dose diária de etinilestradiol para 0,015mg, juntamente com uma redução na respectiva dose do progestogênio a ele associado. Visando contrabalançar esta considerável redução na dose sem ameaçar a eficácia contraceptiva, esta novíssima "pílula" é para ser tomada em séries de 24 dias ( em vez dos usuais 21 dias ), e o intervalo entre as séries foi reduzido para 4 dias ( em vez dos usuais 7 dias ). Entretanto, quero deixar claro que este produto é muito novo, a dose é muito baixa e, pessoalmente, ainda não disponho de todas as informações necessárias quanto a sua efetiva segurança contraceptiva. Apesar dele parecer ser eficaz quando tomado de acordo com este novo regime de administração, no momento penso que este novo anticoncepcional oral ainda necessita mais estudos clínicos.

Todos os contraceptivos hormonais orais consistem em associações do já mencionado estrogênio sintético etinilestradiol com um dos diversos progestogênios ( "progesteronas" sintéticas ) existentes. De todos os progestogênios que têm sido utilizados nestes produtos, os mais importantes são o levonorgestrel, a noretisterona, a ciproterona, o desogestrel e o gestodene. As mais novas gerações de "pílulas" utilizam preferencialmente o desogestrel e o gestodene como progestogênios, uma vez que alguns dos seus efeitos metabólicos gerais parecem ser menores e mais favoráveis do que os dos outros progestogênios. Isto implica em um melhor perfil metabólico geral.

Os anticoncepcionais orais que associam o estrogênio etinilestradiol com o progestogênio ciproterona costumam estar especificamente indicados para mulheres com hipertricose ou hirsutismo leves assim como acne, devido ao conhecido efeito anti-androgênico da ciproterona. Tal se dá porque a ciproterona tem a propriedade de inibir a ação androgênica em quase todos os receptores-androgênicos do corpo, entre eles obviamente os folículos pilosos. Como conseqüência, a hipertricose/hirsutismo e a acne podem ser reduzidas sob o efeito de "pílulas" que contém ciproterona. Entretanto, este tratamento só deve ser prescrito após uma cuidadosa investigação clínica e hormonal destinada a diagnosticar corretamente a verdadeira origem das citadas manifestações androgênicas e/ou hiperandrogênicas, e do conseqüente aumento de pêlos.

Quase todos os contraceptivos orais utilizados nas últimas décadas são considerados "combinados" e "monofásicos". "Pílulas combinadas" são aquelas nas quais todos os comprimidos contidos em cada série contém estrogênio e progestogênio associados. "Pílulas combinadas monofásicas" são aquelas nas quais as respectivas doses de estrogênio e progestogênio contidas em todos os comprimidos ao longo de cada série são as mesmas. Sempre que as respectivas doses de estrogênio ou progestogênio variam ao longo de cada série, implicando na existência de dois ou três tipos diferentes de comprimidos na mesma, estas "pílulas" são consideradas "bifásicas" ou "trifásicas", e existem alguns produtos deste tipo no mercado. Entretanto, como já observei, quase todos os contraceptivos orais modernos são "combinados e monofásicos" - isto é, a ingestão hormonal diária é a mesma ao longo dos usuais 21 dias que constituem cada série da "pílula".

Desnecessário salientar que esta composição hormonal varia de acordo com cada tipo específico de contraceptivo oral existente no mercado - isto é, de acordo com cada produto. Desta forma, existem e têm existido um grande número de diferentes pílulas anticoncepcionais, fazendo uso de diferentes associações estrogênico-progestogênicas em também diversas respectivas doses. A existência deste grande número de diferentes contraceptivos hormonais, utilizando hormônios diferentes e em doses variáveis, nos permite chegar próximo da escolha da "pílula ideal para cada mulher", individualizando o máximo possível a prescrição.

Os contraceptivos hormonais orais "combinados" atuam através de três mecanismos básicos:

1) eles interrompem a maior parte da função ovariana devido à uma interferência nos intrincados mecanismos de "feedback" do eixo hipotálamo-hipófise-ovários. Os padrões usuais de secreção do FSH ( hormônio folículo estimulante ) e do LH ( hormônio luteinizante ) pela hipófise são consideravelmente alterados. Como consequência, o desenvolvimento dos folículos ovarianos é interrompido nos seus primeiros estágios de crescimento, e nenhum deles atinge o estágio de folículo maduro. A liberação do pico ovulatório de LH pela hipófise também fica abolida. Esta interferência no funcionamento do eixo hipotálamo-hipófise-ovários constitui o principal mecanismo de ação dos contraceptivos hormonais, resultando na supressão da ovulação;

2) eles produzem alterações específicas no endométrio ( a mucosa que reveste o interior da cavidade uterina ) que, no caso de uma eventual falha na inibição da ovulação, criam uma considerável dificuldade para a implantação do ovo fecundado;

3) eles produzem um espessamento da secreção mucosa produzida pelo colo uterino, com isto criando uma certa dificuldade à subida dos espermatozóides para o interior do útero.

Desta forma, os contraceptivos hormonais do tipo "combinado" apresentam um mecanismo contraceptivo principal ( a interrupção da função ovariana com a conseqüente inibição da ovulação ) e dois outros mecanismos complementares ( que, isoladamente, não são confiáveis mas que, associados à supressão da ovulação, aumentam a eficácia contraceptiva total ).

Como é sobejamente conhecido, os anticoncepcionais hormonais orais usuais são tomados em séries de 21 dias, com um intervalo de 7 dias de descanso entre as séries. Nos ciclos artificiais induzidos pela "pílula", este intervalo visa imitar a costumeira queda hormonal que se dá ao final de cada ciclo natural ( à qual o organismo feminino está fisiologicamente acostumado ) e permitir a vinda da menstruação ( apesar de que as menstruações que vêm ao final de cada série da "pílula" são artificiais, visto serem elas causadas exatamente por esta periódica interrupção no uso do contraceptivo hormonal ). Considerando-se que os anticoncepcionais hormonais inibem a função ovariana, é aconselhável que, pelo menos uma vez ao ano, suas usuárias fiquem um ou dois ciclos sem usar a "pílula", com a finalidade de evitar uma inibição prolongada do já citado eixo hipotálamo-hipófise-ovários.

Com relação à presente idéia de abolir-se a vinda das menstruações através do uso ininterrupto de hormônios, minha opinião está claramente expressa no meu artigo "Uninterrupted use of hormonal contraceptives for menstrual supression: why I do not recommend it" ( "Uso ininterrupto de contraceptivos hormonais visando a supressão das menstruações: porque não recomendo" ), publicado no Museum of Menstruation and Women's Health ( www.mum.org ).

Antes de finalizar, algo mais deve ser acrescentado acerca dos anticoncepcionais hormonais orais. No início deste artigo, expressei minha opinião de que eles constituem o melhor e o mais seguro de todos os métodos contraceptivos, visto que os benefícios proporcionados pelo seu uso de muito suplantam alguns riscos e problemas que raramente podem ocorrer. Porém, além do grande benefício da sua alta eficácia contraceptiva aliada à simplicidade do seu uso, outros aspectos positivos relacionados à utilização dos anticoncepcionais hormonais "combinados" têm sido demonstrados ao longo dos últimos anos. Eles consistem basicamente em uma redução na incidência do câncer ovariano e endometrial.

A menor incidência de câncer de ovário em mulheres que usam a "pílula" por um período de tempo prolongado pode estar precisamente relacionada à inibição das ovulações. Mesmo ainda sendo o assunto controverso, é possível que ovulações muito freqüentes sejam um dos muitos fatores que predispõem a mulher à alguns tipos de neoplasias ovarianas malignas. Quanto à redução na ocorrência do câncer do endométrio, a razão é que, durante o uso dos contraceptivos hormonais do tipo "combinado", a mulher toma uma associação de estrogênio e progestogênio por três semanas a cada ciclo. Como conseqüência, a atuação do componente progestogênico destas "pílulas" durante 21 dias por ciclo previne o desenvolvimento das hiperplasias endometriais - um grupo bastante freqüente de patologias das quais alguns tipos podem ser precursores do câncer do endométrio.

P.S.: Após ter escrito este artigo um novo progestogênio chamado drospirenona foi lançado e, com ele, novos contraceptivos orais associando a drospirenona ao usual estrogênio etinilestradiol. Desta forma, ver meu novo artigo "Drospirenone Oral Contraceptives" ( no momento só em inglês ) ( Setembro 2007 ).



Nelson Soucasaux é ginecologista, dedicado à Ginecologia Clínica, Preventiva e Psicossomática. Formado em 1974 pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autor de diversos trabalhos publicados em revistas médicas, e dos livros "Novas Perspectivas em Ginecologia" e "Os Órgãos Sexuais Femininos: Forma, Função, Símbolo e Arquétipo", publicados pela Imago Editora, Rio de Janeiro, 1990, 1993.






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Email: nelsons@nelsonginecologia.med.br