A Palpação Bimanual em Ginecologia (o "Toque")



Nelson Soucasaux

Nelson Drawing 2005, based on an original by Weibel
 

A palpação bimanual do corpo uterino ( a parte principal do útero ), trompas, ovários e tecidos que os envolvem é, possivelmente, um dos mais difíceis tipos de exame clínico realizados apenas com as mãos em toda a medicina. A dificuldade se deve a uma complicada combinação de vários fatos anatômicos bem objetivos agravada por algumas atitudes psicológicas e reações das clientes.

Dentre tudo isto devemos, em primeiro lugar, mencionar as principais razões anatômicas: 1) a localização intrapélvica profunda do útero, das trompas, dos ovários e respectivos ligamentos; 2) o fato de algumas peculiaridades anatômicas e respectivas posições destes órgãos com freqüência variarem consideravelmente de mulher para mulher; 3) o fato de a palpação ser efetuada buscando-se palpar o corpo uterino, as trompas e os ovários entre a mão intravaginal e a abdominal com vários outros órgãos e tecidos interpostos; 4) o grau de contração e a espessura da parede abdominal de cada cliente.

A freqüente resistência por parte de muitas pacientes causada por nervosismo e ansiedade devidos a fatores psicológicos, as variações na própria sensibilidade de cada mulher à palpação e os resultantes variáveis graus de desconforto que, por sua vez, originam contrações da musculatura abdominal, tudo isto acrescenta consideráveis dificuldades às já descritas dificuldades anatômicas. Enquanto algumas clientes ficam quase totalmente relaxadas e calmas durante a palpação dos seus genitais internos, outras apresentam diversos graus de nervosismo, desconforto e dor. Algumas destas últimas chegam mesmo a reagir com fortes contrações abdominais, e o exame se torna muito difícil, algumas vezes mesmo impossível.

E aqui eu gostaria de salientar que as observações acima se referem à mulheres sem patologias dolorosas pélvicas e genitais. A presença de qualquer condição ginecológica dolorosa irá, óbvia e naturalmente, resultar em dor e desconforto à qualquer palpação genital profunda, acompanhando-se de várias reações "defensivas" por parte das clientes. Entretanto, também devo enfatizar que, na ausência de patologias pélvicas dolorosas, muitas das típicas atitudes femininas negativas com relação à palpação ginecológica são principalmente de origem psicológica - apesar de sempre aliadas e reforçadas pelo natural desconforto decorrente de pressionarmos os seus genitais internos através da vagina e da parede abdominal.

Considerando-se o extremamente rico, intrincado, misterioso e freqüentemente problemático simbolismo arquetípico dos genitais internos da mulher e do interior da sua pelve, é provável que estas pacientes extremamente ansiosas ao serem examinadas sintam a intimidade destes órgãos ( e sua própria intimidade física como mulheres ) como que sendo "invadida" pelos dedos e mãos do médico. E, de certa forma, devemos reconhecer que, até um certo ponto, elas têm razão. Mesmo assim, o toque ginecológico não deve ser encarado como algo "negativo". Muito ao contrário, ele deve ser visto como positivo e benéfico, uma vez que a palpação ginecológica bimanual é um dos métodos mais simples de que dispomos para, na prática clínica diária, avaliarmos a saúde anatômica dos genitais internos da mulher - apesar da sua considerável falta de acuidade quando comparado com um exame de alta tecnologia. ( Ver abaixo uma análise comparativa do toque com a ultrassonografia, demonstrando a importância de ambos os métodos. )

Quanto aos detalhes físicos da palpação ginecológica, o toque vaginal é anatomicamente bastante fácil, permitindo-nos palpar a totalidade das paredes vaginais, o colo uterino e as estruturas que os circundam e, como é sabido, é realizado com apenas dois dedos de uma das mãos. Diferentemente, o exame do corpo uterino, trompas, ovários e tecidos próximos exige o uso de ambas as mãos: os dois dedos da mão intravaginal e a mão abdominal.

Em uma cliente calma e relaxada cujo útero esteja em anteversão ( curvado para a frente, na direção da bexiga ), o corpo uterino é facilmente palpado entre as duas mãos, e verdadeiramente podemos dizer que o "seguramos" quase totalmente durante o exame. ( A anteversão é a mais freqüente e típica posição uterina na pelve. ) Quando o corpo do útero se situa em posição intermediária ( ver Nota 1, abaixo ) e o tamanho uterino está dentro do normal, nossas mãos não conseguem alcançá-lo inteiramente e sua palpação torna-se difícil - a não ser que consigamos mobilizá-lo para anteversão ( o grau de mobilidade do corpo uterino é usualmente considerável, e varia de mulher para mulher ). A retroversão uterina é uma condição muito freqüente e, nela, a parte corporal do órgão fica voltada para trás, na direção do reto. Nesta posição, a palpação completa de um útero de tamanho normal torna-se também difícil, porque nossas mãos são apenas capazes de tocar o colo e uma pequena parte da parede uterina posterior.

Os miomas ( leiomiomas uterinos ) são de fácil palpação quando crescem próximo à parede externa do útero, fazendo protrusão na superfície uterina, ou quando produzem um aumento difuso de todo o órgão. A presença de múltiplos e difusos pequenos miomas usualmente causa um aumento uterino de leve a moderado, por vezes igualmente associado a um aumento na consistência do órgão.

A palpação de ovários e trompas normais é usualmente difícil devido às suas dimensões. Mesmo assim, com alguma freqüência e também dependendo da fase do ciclo, somos capazes de palpar ovários normais - apesar de, como já disse, ovários de dimensões dentro do normal usualmente não serem palpáveis. ( Algumas vezes apenas os sentimos ligeiramente, porque eles tendem a "escorregar" dos nossos dedos. ) Pelo outro lado, ovários aumentados são facilmente palpáveis. As trompas são tão finas e macias que usualmente são muito difíceis - ainda que nem sempre impossíveis - de serem palpadas. Contrariamente, trompas aumentadas e ou espessadas, geralmente devido a salpingites, são bastante fáceis de detectar ao toque.

Como já observei, a palpação bimanual em Ginecologia é um dos exames médicos mais difíceis de serem efetuados apenas com as nossas mãos. Ela é também bastante "traiçoeira" ( ver Nota 2, abaixo ) e, para ser bem realizada, requer um treinamento intensivo, meticuloso e cuidadoso por parte do ginecologista, assim como grande habilidade e, também - por que não dizer ? - , considerável colaboração e "paciência" por parte das clientes devido ao leve ou moderado desconforto produzido por nossas mãos durante o exame.

Eu também gostaria de enfatizar que, contrariamente ao que algumas pessoas pensam, o ultrasom não substituiu o tradicional toque ginecológico, que continua sendo parte essencial de toda a rotina da especialidade. Apesar de toda a enorme e espantosa acuidade das modernas técnicas ultrassonográficas transvaginais em revelar detalhes do útero e dos ovários que são absolutamente impossíveis de serem detectados com nossas mãos, também há vários detalhes e peculiaridades de grande importância nos genitais internos da mulher que não são detectáveis à ultrassonografia. O ultrasom habitual, por exemplo, não visualiza as trompas, exceto quando elas estão excessivamente aumentadas ou espessadas devido à sérias salpingites ou à uma gestação tubária. Áreas de sensibilidade alterada ou dor nos órgãos pélvicos da mulher, assim como seu grau de firmeza, espessamento ou maciez ( consistência ) são detalhes que só podem ser detectados através da palpação ginecológica tradicional. Assim sendo, o toque ginecológico e a ultrassonografia pélvica na realidade se complementam mutuamente, e a correta assistência médica à mulher deve incluir ambos os métodos.

Nota 1: O útero é considerado como estando em posição intermediária quando localizado entre a anteversão e a retroversão.

Nota 2: Alguns dos aspectos "traiçoeiros" do toque ginecológico bimanual são: 1) alguns aumentos ovarianos devidos a cistos ou tumores que podem ser confundidos com miomas uterinos; 2) miomas uterinos que, de forma semelhante, podem ser confundidos com várias patologias ovarianas; 3) gestações tubárias que podem erroneamente serem confundidas com ovários; 4) alguns aumentos ovarianos que, assim mesmo, devido à mobilidade destes órgãos, também "escapam" dos nossos dedos. Felizmente, em quase todos os casos como estes, uma simples ultrassonografia transvaginal estabelece com clareza e segurança o correto diagnóstico. Sem dúvida, o advento e grande desenvolvimento do ultrasom ( juntamente com a moderna mamografia ) tem se constituido um dos maiores avanços técnicos da Ginecologia nas últimas décadas.

Nota 3: A ilustração no topo é baseada em um desenho original de Weibel ( reproduzido por Botella Llusiá ), e modificado por Nelson Soucasaux.



Nelson Soucasaux é ginecologista, dedicado à Ginecologia Clínica, Preventiva e Psicossomática. Formado em 1974 pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autor de diversos trabalhos publicados em revistas médicas e dos livros "Novas Perspectivas em Ginecologia" e "Os Órgãos Sexuais Femininos: Forma, Função, Símbolo e Arquétipo", publicados pela Imago Editora, Rio de Janeiro, 1990, 1993.





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Email: nelsons@nelsonginecologia.med.br